Poluição diminui os benefícios dos exercícios, mostra estudo

Àreas com altos níveis de contaminação do ar fazem com que o efeito protetor da atividade física caia pela metade. Estudo analisou dados de 1,5 milhão de adultos, acompanhados por mais de uma década


Os benefícios para a saúde proporcionados pela prática regular de atividades físicas podem ser reduzidos pela metade ao viver em um ambiente com ar muito poluído. É o que revela um novo estudo realizado por uma equipe internacional, que analisou dados de cerca de 1,5 milhão de adultos acompanhados por mais de uma década em países como Reino Unido, Taiwan, China, Dinamarca e Estados Unidos. O trabalho foi publicado ontem na revista BMC Medicine.

A equipe descobriu que o efeito protetor do exercício sobre o risco de morte por qualquer causa — e especificamente por câncer e doenças cardíacas — foi reduzido, mas não completamente eliminado, para aqueles que viviam em áreas com altos níveis de poluição. Os pesquisadores analisaram os níveis de partículas finas, conhecidas como PM2,5, com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros. Elas são tão pequenas que podem ficar presas nos pulmões e entrar na corrente sanguínea.

A equipe descobriu que os benefícios do exercício para a saúde diminuem significativamente em locais onde o nível médio anual de PM2,5 é de 25 microgramas por metro cúbico (g/m³) ou mais. Eles também revelaram que quase metade da população mundial, 46%, vive em áreas que ultrapassam esse limite.

Pulmões atingidos

Rafael Melo, pneumologista do Hospital Brasília, da Rede Américas, detalhou que ao se exercitar a pessoa respira mais fundo e puxa mais ar para o interior do pulmão. "Se esse ar está cheio de partículas finas, uma parte acaba chegando ao fundo das vias respiratórias. Com o tempo, isso pode gerar inflamação, piorar sintomas respiratórios e até aumentar o risco de problemas cardíacos. A exposição a essas partículas finas pode ser prejudicial à saúde." 

"A pessoa não vai passar mal imediatamente, mas o ar muito poluído faz o organismo trabalhar mais para se defender. Em níveis altos, principalmente para quem já tem asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou doença cardíaca, pode, sim, ser perigoso. Para quem é saudável, normalmente, o problema é mais a longo prazo", completou o especialista. 

O pesquisador principal, professor Po-Wen Ku, da Universidade Nacional Chung Hsing, em Taiwan, afirmou que os resultados enfatizam que o exercício físico continua sendo benéfico mesmo em ambientes poluídos. "No entanto, a melhoria da qualidade do ar pode aumentar significativamente esses benefícios para a saúde."

Para o estudo, a equipe de pesquisa avaliou dados de sete pesquisas anteriores. Combinando essas informações, eles descobriram que pessoas que praticavam pelo menos duas horas e meia de atividades moderadas ou vigorosas por semana apresentavam um risco 30% menor de morte durante o período do estudo do que aquelas que não faziam tantos exercícios.

No entanto, para as pessoas mais fisicamente ativas que viviam em uma área com alta poluição, acima de 25 g/m³, essa redução no risco de morte caiu pela metade. Em níveis mais elevados, acima de 35 g/m³, os benefícios do exercício diminuíram ainda mais, particularmente em relação ao risco de morte por câncer, onde os benefícios deixaram de ser significativos.

Para os participantes do estudo no Reino Unido, os níveis médios anuais de PM2,5 foram inferiores a esses limites, situando-se em 10 g/m³. No entanto, os níveis de poluição por partículas finas variam bastante e os picos de poluição nas cidades do Reino Unido ultrapassam os 25 g/m³, o limite crítico identificado no estudo, principalmente durante os meses de inverno.

Como amenizar

João Polydoro, médico do esporte do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, sublinhou que algumas medidas de baixo custo podem ajudar a manter a rotina, mesmo em cidades grandes e movimentadas. "Uma delas é praticar exercícios bem cedo ou no fim do dia, quando o fluxo de veículos é menor e, consequentemente, a poluição tende a ser inferior. Buscar parques e áreas arborizadas também é uma boa alternativa. Em dias com poluição mais elevada, reduzir a intensidade do treino ajuda a minimizar riscos pulmonares e cardiovasculares. Outra opção é realizar atividades em ambientes fechados."

O uso de máscara do tipo PFF2 é possível, embora possa ser desconfortável em treinos mais fortes. Em atividades moderadas, pode ser uma boa alternativa. Consultar aplicativos de clima e qualidade do ar também ajuda a planejar melhor o treino. Mesmo com essas estratégias, é essencial manter acompanhamento com um profissional de saúde, especialmente se surgirem sintomas como falta de ar, tosse ou cansaço desproporcional.

Paola Zaninotto, professora da University College London, no Reino Unido, e coautora do estudo, afirma que a equipe não pretende desencorajar as pessoas de se exercitarem ao ar livre. "Verificar a qualidade do ar, escolher rotas mais limpas ou diminuir a intensidade em dias poluídos pode ajudar a obter o máximo de benefícios para a saúde com o exercício."

Risco crescente

Yuri Sena Santos, médico do exercício e do esporte, em São Paulo, frisa que a poluição é um risco crescente, especialmente em áreas urbanas e industrializadas. "Por isso, o ideal é enxergar o cenário como um cabo de guerra: a poluição traz malefícios; o exercício traz benefícios. E mesmo quando os efeitos positivos são parcialmente reduzidos, eles não desaparecem. A mensagem principal é clara: continue se exercitando, mantenha regularidade e busque minimizar a exposição  sempre que possível, escolhendo ambientes mais limpos e horários mais favoráveis."

Os cientistas destacaram que o estudo foi conduzido principalmente em países de alta renda. Portanto, segundo eles, as conclusões podem não ser aplicáveis a países de baixa renda, onde a poluição por partículas finas é maior, frequentemente ultrapassando 50 g/m³.

(Com informações Correio Braziliense)

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