O uso excessivo de telas, diz o neurologista, interfere na cognição e na memória de formas profundas, ainda que sutis
“Uma vez que o cérebro está condicionado a um estímulo, é preciso reprogramá-lo. É difícil mesmo. Eu consegui praticando a atenção plena, ou mindfulness”, conta a psicoterapeuta baiana Bel Soares, de 46 anos. Seu corpo dava sinais de que algo não ia bem: irritabilidade, falta de concentração e dispersão eram constantes. No mindfulness, a atenção é direcionada para o presente, observando pensamentos e sentimentos, com técnicas de respiração. “Você tem consciência até do exato momento em que a vontade de pegar o celular acontece. Retirei todas as notificações, sou mais criteriosa com o que sigo nas redes e limitei o tempo de uso”, explica Bel. Ela também atua como terapeuta de mulheres e casais, e aplica as estratégias em seus atendimentos.
O uso excessivo de telas, diz o neurologista e professor da Unifesp Marcelo Masruha, interfere na cognição e na memória de formas profundas, ainda que sutis. Um dos principais mecanismos é a sobrecarga cognitiva: o cérebro passa a ser bombardeado por estímulos (notificações, múltiplas abas abertas, rolagem infinita) e isso compromete o foco. “A atenção é a porta de entrada da memória. Se estamos constantemente distraídos, dificilmente codificamos de forma adequada as experiências e os conteúdos aos quais somos expostos. Isso afeta diretamente a memória de curto e longo prazo”, afirma o especialista. Também prejudica a aprendizagem profunda, que exige tempo, silêncio e reflexão. “ Algo raro no ambiente digital”, complementa Marcelo.
Para o corretor de imóveis Leonardo D’Albergária, de 36 anos, o celular nunca foi um inimigo. Mas o Instagram mostrou as garras. Por isso, em janeiro, deu um tempo da rede social. “Gastava três horas por dia, usando mais por impulso do que por desejo.” Após problemas familiares, percebeu que estava deixando a vida real de lado. “Precisava olhar mais para mim. Retomei a leitura, que estava abandonada e comecei a estudar astrologia e esoterismo”, completa ele.
O mesmo aconteceu com a consultora de moda Cris Pinheiro Guimarães, de 53 anos, que ficou incríveis 72 dias sem o app. “Foi libertador. Desinstalei o Instagram e fiz uma viagem ao Japão em seguida. Meu foco mudou para viver o presente”, conta. Ao voltar para a rede, sua relação com o aplicativo é outra. “Consegui me desintoxicar da dopamina de postar tudo, sinto-me mais calma. É como se eu estivesse na rehab”, brinca Cris.
Para o psiquiatra Marcel Fúlvio Padula Lamas, do Hospital Albert Sabin, é difícil competir com a dopamina ofertada pelo celular. “Ela é mais prazerosa do que uma conversa em família, porque existe uma monotonia no trivial. As telas são mais vívidas, nítidas e acabam com o tédio. Mas isso extrapolou limites”. E o tédio, explica, provoca a criatividade, aumentando a tolerância ao lidar com o que é abstrato. “Sem o celular, você pensa melhor, tem mais paciência”. Caso acredite que a sua relação com o aparelho esteja dando sinais de desrespeito, Marcel pontua que vale o escrito: “Impor limites e horários, desconectando-se regularmente e buscar atividades alternativas off tecnologia como leitura, esportes e hobbies”. A vida real agradece.
(Com informações do Jornal O Globo)
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