GATOS MATAM ATÉ 3,7 BILHÕES DE PÁSSAROS POR ANO


Levados a praticamente todas as regiões do planeta pelo homem, o gato conquistou uma legião de adoradores e presas. O felino está entre as cem espécies invasoras que causam maior estrago no mundo. Suas garras contribuíram, mesmo que indiretamente, para a extinção de 33 mamíferos, aves e répteis em ilhas oceânicas, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza. Em áreas continentais, porém, seu impacto sempre foi negligenciado. Um estudo, publicado esta semana pela revista “Nature Communications”, dedicou-se a este levantamento. E mostra que os bichanos matam anualmente entre 1,4 bilhão e 3,7 bilhões de pássaros e entre 6,9 bilhões e 20,7 bilhões de mamíferos apenas nos Estados Unidos.
Segundo a estimativa, cada gato americano mata 1.443 bichos por ano — ou 3,95 por dia. O número de aves predadas foi considerado o mais preocupante. Seria quatro vezes maior do que os registrados até hoje. Aves nativas do país, como o pisco-de-peito-vermelho, estão entre as mais ameaçadas pela fome felina. Na área continental dos EUA, há mais animais mortos pelos felinos do que por atropelamento, colisões com prédios ou envenenamento.
— Os gatos são as maiores ameaças à fauna americana — revela Pete Marra, pesquisador do Instituto Smithsonian de Conservação e Biologia (SCBI) e coautor do estudo, que contou com a colaboração do Serviço de Pesca e Fauna dos EUA. — Esperamos que a grande faixa de mortalidade indicada por nosso levantamento convença os donos de gatos a mantê-los dentro de casa e alimentados.
Gatos selvagens matam três vezes mais
Além dos pássaros, a dieta dos bichanos abrange de ratos a coelhos, passando por esquilos. Os gatos ferais — que vivem soltos na natureza e dificilmente se adaptariam ao contato com humanos — são os que mais dependem da caça. Eles predariam até três vezes mais animais do que os gatos com dono.
Marra, porém, ressalta que a mortalidade provocada por felinos urbanos também é digna de apreensão.
— Este levantamento deve servir de alerta para políticos, autoridades ligadas à preservação de animais e a cientistas para o grande perigo causado por estes felinos — enfatiza.
Em regiões da Califórnia e do Canadá, por exemplo, gatos não podem viver fora de casa. No Brasil, porém, nenhuma política semelhante chama a atenção, mesmo com o crescimento anual de 8% da população de felinos. O país tem um bichano para cada nove pessoas.
Ironicamente, as medidas restritivas são maiores contra o arquirrival dos felinos. Florianópolis chegou a aprovar um programa estipulando que cada cachorro deveria ser cadastrado na prefeitura e paramentado com um chip. Aqueles que não estivessem com o equipamento poderiam ser sacrificados. A lei não pegou.
Bióloga do Instituto Hórus, especializada em conservação ambiental e no estudo de espécies invasoras, Michele Dechoum condena o descaso brasileiro com a matança promovida pelos gatunos.
Para ela, a prioridade seria adotar medidas de controle do acesso a felinos em áreas de conservação ambiental e nas zonas de amortecimento — a faixa de aproximadamente dez quilômetros ao redor desses ecossistemas protegidos.
— Tem gente que não dá comida e acha que o gato se vira, que é independente — lembra. — Quando falamos de manejo de fauna invasora, o principal obstáculo é a oposição da opinião pública. Não vou condenar o animal, mas é importante conscientizar o dono sobre o impacto que o bicho pode provocar.
Como a diversidade de espécies é maior aqui do que nos EUA, estima-se que os felinos brasileiros teriam à sua disposição uma variedade de presas ainda mais relevante.
— É difícil dizer se os gatos brasileiros predam os mesmos animais, e em uma quantidade maior, do que os americanos — lamenta Michele.
O Reino Unido recomenta uma medida simples que reduziria o sucesso das emboscadas felinas — e, assim, o impacto dos bichanos à biodiversidade. De acordo com a Sociedade Real para a Prevenção de Crueldade contra Animais, uma coleira com um sino é suficiente para os gatos matarem 41% menos aves e 34% menos mamíferos do que os felinos sem o artefato.

Comentários